Michel...
...tu vas tomber!
Nunca pensei, mas já tenho saudades! Quando vim para a cidade-estado, cheguei a dar graças por me ver livre da peste -julguei-!
Agora, volvidos uns anos, tenho saudades do mês de Agosto. Mas não de um Agosto qualquer!
Do mês de Agosto de Ourém. Incomparável ao Agosto de qualquer outro sítio do nosso Portugal!
A chegada dos emigrantes para as vacanças au Portugal muda a vida de todos. Nem vale a pena ver as repetitivas reportagens que as televisões têm por hábito fazer nesta altura do ano, em povoações que triplicam a população, a média de idades baixa 50%, o número de carros na aldeia aumenta 99%... blá, blá, blá! Blá, blá, blá!...
Ourém é diferente!
Do Ourém da Freixianda, ao de Caxarias, passando pelo de Seiça, até chegar ao Ourém de Fátima e Espite. Todos eles são o mesmo Ourém, e não apenas à quinta-feira, quando se juntam no burgo!
Ainda o Manel Champigny -como lhe chamam- não se apeou do Mercedes novo que traz este ano, já a irmã mais nova -que nunca deu o salto para França- espreita à esquina e grita para a o filho mais, ainda puto:
- Oh Belarmino, anda cá depressa!
Lá vem o puto a correr, de tronco nu e enfiado nos calções que, no Verão passado, eram do primo Michel -enquanto resmunga, entre dentes, por não poder continuar a atirar à passarada-.
Chega junto à mãe, que lhe coloca o braço por cima do ombro, num Agosto abrasador, e lhe diz:
- Vá lá! Dá um beijinho ao tio da França!
Mal sabia o desgraçado que teria de gramar, não um, mas quatro beijaços de cada um. Quatro do tio da França, mais quatro da tia da França e outros quatro de cada primo. Feitas as contas, mais de 20 beijaças de uma assentada só.
Lá vem a aldeia toda a ver o Manel que foi para a França há 35 anos, a salto -bem visto-, no porta-bagagens de um Vauxhall com uma mala de cartão, qual Linda de Suza.
Os filhos e os netos já se passeiam pela aldeia a cumprimentar a malta e a combinar encontro no café para depois de jantar. Uns, para uma cartada e uns copos de palhete; os mais novos para uma saída até à discô, ou a fazer o programa para não falharem uma festa que seja, onde, o que não falta para o bailarico -pelo menos- são as emigrantas! Nem as moças da terra, claro está!
A casa do Manel, de paredes forradas a azulejo e telhado preto com inclinação para a neve -tipo alpino-, conhece, por um mês, a luz do dia e o ar puro dos pinheiros.
Na garagem, onde estaciona o Mercedes topo de gama que trouxe este ano -muito melhor que o do Esquim que mora ao lado e, na França, trabalha com os camions da pubela-, está o assador das sardinhas, feito de uma metade de bidon, onde ainda se consegue ler de lado: "Petrogal".
Por entre a euforia do chegar -de uns- e do receber -de outros- lá se ouve o clássico:
- Atention Michel, tu vas tomber! Fait atention!
O puto cai.
- Eu não te avisei? 'Tava mesmo a ver que caías ca'tromba no chão, cachopo dum...
Indiferente a tudo isto, o mais velho, lá vai contando aos primos cá de Portugal quanto ganha na França -nas obras. "Mas é só por um tempo, enquanto não vou para chefe dum magasin"! Assegura- enquanto se exibe, contando a performance do Renault 5 GT Turbo de '89.
- De Paris até Vilar Formoso, foi sempre a mais de 200 à hora, mas depois, com estas estradas de merda que vocês têm aqui em Portugal... Lá em cima não é nada assim, hã! -Garante-.
Na sala, ainda a cheirar a mofo, a tia da França lamenta à cunhada -enquanto comem a casse croûte-:
-Ainda hoje é Mardi... Saudosa das sardinhas que, religiosamente, todas as quintas-feiras compra no marché de Ourém.
O mercado das quintas-feiras... esse ex-libris!
Ah... as saudades -salvo-seja- que tenho de sair da aldeia para ir ao burgo trabalhar. Mal chegava ao Lagarinho, começava a fila. Uma vez em Ourém, era a embouteillage completa. Estacionar? Mil vezes pior que aqui na cidade-estado. Como eles dizem: "Não há, nem uma praça para parar o carro!" Ir ao banco? Impossível!
Justificava a ABC Rádio ter um serviço de informação de trânsito. Melo, à confiança! Das 7 da manhã ao meio-dia, era dizer que as entradas pela estrada de Caxarias, do Lagarinho, de Pêras Ruivas, Vilar, Leiria, Gondemaria, e por aí fora, estavam congestionadas e que em Ourém não se conseguia circular.
Mas voltando à feira das quintas, é vê-los comprar. Sobretudo, as saudosas sardinhas. Mas, muito mais interessante que vê-los, é ouvi-los, entre sucessivos sopros! "A oui, se tu queres, hã!", "Bien sur", "Vite", "Oh non!" são algumas das pérolas que se podem ouvir. Destaque para a mistura do francês com a língua de Camões. Emigrante oureense que é emigrante, tem de misturar as duas línguas e, quando conveniente, falar apenas em francês na invicta certeza de que ninguém mais os compreende. Deixem-nos continuar a pensar assim! Está-lhes nos génes. É como fazer comparações como: "Lá em França as autorutes são muito mais boas, hã! E até podemos andar com muito mais vitesse! Ah oui, hã!"
Coisas como estas, e muitas outras, a mim, dão-me uma certa urticária, e, por isso, rejubilei quando vim para a cidade-estado. Quanto mais não seja, porque ouço, vejo e sinto isto muito menos vezes.
Mas... a coisa não é assim tão linear. Não porque também os tenha aqui. Tenho é -mais vezes do que gostava- a impressão que aqui é quase sempre Agosto! Diferente, certamente, mas muito parecido! Coisa para dizer que cada qual à sua maneira!
Venham de lá os emigrantes de Ourém! Sejam bem vindos! A todos, um abraço!
"-Oh mãe, quantos dias faltam até ser Setembro?", pergunta o Belarmino.
Nunca pensei, mas já tenho saudades! Quando vim para a cidade-estado, cheguei a dar graças por me ver livre da peste -julguei-!
Agora, volvidos uns anos, tenho saudades do mês de Agosto. Mas não de um Agosto qualquer!
Do mês de Agosto de Ourém. Incomparável ao Agosto de qualquer outro sítio do nosso Portugal!
A chegada dos emigrantes para as vacanças au Portugal muda a vida de todos. Nem vale a pena ver as repetitivas reportagens que as televisões têm por hábito fazer nesta altura do ano, em povoações que triplicam a população, a média de idades baixa 50%, o número de carros na aldeia aumenta 99%... blá, blá, blá! Blá, blá, blá!...
Ourém é diferente!
Do Ourém da Freixianda, ao de Caxarias, passando pelo de Seiça, até chegar ao Ourém de Fátima e Espite. Todos eles são o mesmo Ourém, e não apenas à quinta-feira, quando se juntam no burgo!
Ainda o Manel Champigny -como lhe chamam- não se apeou do Mercedes novo que traz este ano, já a irmã mais nova -que nunca deu o salto para França- espreita à esquina e grita para a o filho mais, ainda puto:
- Oh Belarmino, anda cá depressa!
Lá vem o puto a correr, de tronco nu e enfiado nos calções que, no Verão passado, eram do primo Michel -enquanto resmunga, entre dentes, por não poder continuar a atirar à passarada-.
Chega junto à mãe, que lhe coloca o braço por cima do ombro, num Agosto abrasador, e lhe diz:
- Vá lá! Dá um beijinho ao tio da França!
Mal sabia o desgraçado que teria de gramar, não um, mas quatro beijaços de cada um. Quatro do tio da França, mais quatro da tia da França e outros quatro de cada primo. Feitas as contas, mais de 20 beijaças de uma assentada só.
Lá vem a aldeia toda a ver o Manel que foi para a França há 35 anos, a salto -bem visto-, no porta-bagagens de um Vauxhall com uma mala de cartão, qual Linda de Suza.
Os filhos e os netos já se passeiam pela aldeia a cumprimentar a malta e a combinar encontro no café para depois de jantar. Uns, para uma cartada e uns copos de palhete; os mais novos para uma saída até à discô, ou a fazer o programa para não falharem uma festa que seja, onde, o que não falta para o bailarico -pelo menos- são as emigrantas! Nem as moças da terra, claro está!
A casa do Manel, de paredes forradas a azulejo e telhado preto com inclinação para a neve -tipo alpino-, conhece, por um mês, a luz do dia e o ar puro dos pinheiros.
Na garagem, onde estaciona o Mercedes topo de gama que trouxe este ano -muito melhor que o do Esquim que mora ao lado e, na França, trabalha com os camions da pubela-, está o assador das sardinhas, feito de uma metade de bidon, onde ainda se consegue ler de lado: "Petrogal".
Por entre a euforia do chegar -de uns- e do receber -de outros- lá se ouve o clássico:
- Atention Michel, tu vas tomber! Fait atention!
O puto cai.
- Eu não te avisei? 'Tava mesmo a ver que caías ca'tromba no chão, cachopo dum...
Indiferente a tudo isto, o mais velho, lá vai contando aos primos cá de Portugal quanto ganha na França -nas obras. "Mas é só por um tempo, enquanto não vou para chefe dum magasin"! Assegura- enquanto se exibe, contando a performance do Renault 5 GT Turbo de '89.
- De Paris até Vilar Formoso, foi sempre a mais de 200 à hora, mas depois, com estas estradas de merda que vocês têm aqui em Portugal... Lá em cima não é nada assim, hã! -Garante-.
Na sala, ainda a cheirar a mofo, a tia da França lamenta à cunhada -enquanto comem a casse croûte-:
-Ainda hoje é Mardi... Saudosa das sardinhas que, religiosamente, todas as quintas-feiras compra no marché de Ourém.
O mercado das quintas-feiras... esse ex-libris!
Ah... as saudades -salvo-seja- que tenho de sair da aldeia para ir ao burgo trabalhar. Mal chegava ao Lagarinho, começava a fila. Uma vez em Ourém, era a embouteillage completa. Estacionar? Mil vezes pior que aqui na cidade-estado. Como eles dizem: "Não há, nem uma praça para parar o carro!" Ir ao banco? Impossível!
Justificava a ABC Rádio ter um serviço de informação de trânsito. Melo, à confiança! Das 7 da manhã ao meio-dia, era dizer que as entradas pela estrada de Caxarias, do Lagarinho, de Pêras Ruivas, Vilar, Leiria, Gondemaria, e por aí fora, estavam congestionadas e que em Ourém não se conseguia circular.
Mas voltando à feira das quintas, é vê-los comprar. Sobretudo, as saudosas sardinhas. Mas, muito mais interessante que vê-los, é ouvi-los, entre sucessivos sopros! "A oui, se tu queres, hã!", "Bien sur", "Vite", "Oh non!" são algumas das pérolas que se podem ouvir. Destaque para a mistura do francês com a língua de Camões. Emigrante oureense que é emigrante, tem de misturar as duas línguas e, quando conveniente, falar apenas em francês na invicta certeza de que ninguém mais os compreende. Deixem-nos continuar a pensar assim! Está-lhes nos génes. É como fazer comparações como: "Lá em França as autorutes são muito mais boas, hã! E até podemos andar com muito mais vitesse! Ah oui, hã!"
Coisas como estas, e muitas outras, a mim, dão-me uma certa urticária, e, por isso, rejubilei quando vim para a cidade-estado. Quanto mais não seja, porque ouço, vejo e sinto isto muito menos vezes.
Mas... a coisa não é assim tão linear. Não porque também os tenha aqui. Tenho é -mais vezes do que gostava- a impressão que aqui é quase sempre Agosto! Diferente, certamente, mas muito parecido! Coisa para dizer que cada qual à sua maneira!
Venham de lá os emigrantes de Ourém! Sejam bem vindos! A todos, um abraço!
"-Oh mãe, quantos dias faltam até ser Setembro?", pergunta o Belarmino.
8 Comments:
Muito bom post.... mas...
Parece-me que sabes demais...
Não serás também um "avec" disfarçado de fadista?? :)
Não, Axpegix, garanto-te que não!
Já agora, Axpegix... soa-me a gaulês, não? ;)
Está brilhante, caro vizinho! Também escrevi sobre o tema aqui:
http://tabac.blogspot.com/2005/07/lattention-de-nos-chers-migrs.html
Elvira,
Obrigado. Também gostei imenso do teu post sobre os emigrantes portugueses!
Dado o teu blog ter post's em francês, a estimada vizinha, não me diga que também é emigrante?! Das que não se sentem retratadas, quer no meu, quer no teu post, obviamente...
Freud e Maquiavel,
estou-lhe imensamente agradecido pela achega!
Imperdoável, terem-me escapado esses traços identitários da "espécie".
Estes emigrantes são, de facto, uma pérola! Inesgotáveis no que oferecem à sátira.
Está, obviamente, convidado a enviar um "fado vadio" sobre o tema para esta pobre tasca.
Belo blog o seu! Também eu sou um saudoso do referido programa da TSF, que transitou para a SIC Notícias, com novo nome: "Quadratura do Círculo".
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