terça-feira, outubro 25, 2005

O Zé...

...sempre igual a si próprio.
Já aqui falei dele. O filho do Ti'Rafael. Não sei se se lembram.
Uma manhã destas, telefonou-me. Queria almoçar comigo num restaurante que o tinha maravilhado. Tínhamos de pôr a conversa em dia, decidira. Acedi.
Ao cabo de menos de meio dia, duas meias buzinadelas anunciavam a chegada do Zé ao meu estaminé. Inchadíssimo, sai do topo de gama novinho em folha, acertando o cabelo luzidio, de tão empastado em gel.
Estava percebido o almoço.
Só para chatear, nem uma palavra lhe disse sobre a bomba. Já o café e digestivo eram servidos, e nada. Falámos dos temas habituais. Dos que é possível falar com o Zé, claro está. Quais? Está visto: gajas, dinheiro, noite; dinheiro, gajas da faculdade e noite; gajas da sua empresa, noite e dinheiro; e noite, gajas do prédio e dinheiro...
Desde os tempos da faculdade até hoje -em que é testa de ferros de um grupo africano com interesses em terras lusas- que assim é o Zé. Temas de conversa que vão para além destes, só se for para falar de carros, ou debitar uma meia dúzia mal parida de clichés sobre o estado da nação.
Num acesso misto de ingenuidade e esperança, ainda lhe perguntei:
- Então e a empresa? Como vão os negócios?
- Eh pá, isto está tudo fo**** mas a coisa vai andando.
- Mas consta-me que estás a exportar bem. Retorqui.
- Pá, não se está mal, mas o Governo é que dá cabo desta me*** toda.
- Pois... Respondo, fascinado com a lição de macroeconomia recebida.
O empregado do Carlton já trazia a conta do almoço. Melhor aviada que o dito, diga-se.
O Zé não perdeu tempo. Puxa da carteira Louis Vuitton, que põe em exposição em cima da mesa, e saca de um dos dos gold, enquanto o outro cai para o chão, num truque ensaiado, que escusava de performar para mim. Faz questão de pagar!
Assina o talão com a Cartier em ouro e fica a brincar com ela na mão, enquanto exibe o pulso que sustenta o Frank Müller.
- Bem, vamos andando? Já são horas! Desafiei, passava das quatro.
Num gesto de habitué, chama o garçon que lhe veste o blazer. O botão de punho fica preso na manga.
- Porra, pá. Dei uma fortuna por este fato da Zegna e a m**** destes botões dão-me cabo do forro. -desabafa- Compreio-os em Milão no Verão passado. São uns Versace. Porreiros, não são? Custaram-me uma fortuna. E este cinto da Mont Blanc? Foi a Cátia que m'o ofereceu, quando andava com ela.Lembras-te da gaja? Aquela das mamas grandes que andava em Economia...
- Não... sinceramente, não estou a ver. Respondi, com o ar de vamos-mas-é-embora-que-já-estou-farto.
Do restaurante para o elevador, do elevador para a garagem, da garagem para meu escritório, o Zé continuava o seu exercício preferido: pavonear-se. Da gravata nova Hermés, passando pelos sapatos não-sei-das-quantas, ao apartamento que comprou na Expo, até, finalmente, ao carro novo, o Zé não parou. Estava no seu melhor. Desde que o conheço que assim é. O que ele realmente faz? Nem ele sabe muito bem. Mas a coisa vai andando. Isso é que importa.
Finalmente, vejo a porta da empresa.
- Oh Fadista, quem é aquela boazona que supervisiona o teu call center? É competente? Pergunta com o ar que estão a adivinhar.
O Zé. Sempre igual a si próprio. E a tantos outros, afinal.
Não me diga? Também o conhece?

11 Comments:

Blogger Dinis CorteReal said...

Há muitos Zés por aí... acho que no nosso país é melhor trabalhar com um amigo medíocre do que com alguém realmente competente... são coisas da vida.

É por essas e por outras que eu continuo à procura de trabalho. Repara que eu disse TRABALHO e não EMPREGO.

10/25/2005 6:39 da tarde  
Blogger Elvira said...

Zés é que não faltam por estas bandas... :-(

10/26/2005 2:19 da manhã  
Blogger Alberto Oliveira said...

...atão não conheço?!
Por acaso o "meu" chama-se Manel; mas é igualzinho nos "apetrechos & ferramentas". Não lhe chegou licenciar-se em Gestão de coisa nenhuma; tirou também um mestrado de Ostentação...

10/27/2005 5:19 da tarde  
Blogger Goth Mortens said...

Somos um país feito para Zés. Contudo, continuo acreditar que é possível ter sucesso, gostar de ver uma mulher lindíssima, usar o Frank Müller, ter um bom carro e ser interessante, ...sem se ser um Zé. Não é Fadista?

10/29/2005 8:57 da tarde  
Blogger Goth Mortens said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

10/29/2005 8:57 da tarde  
Blogger Fadista said...

Caro Dinis,
uma realidade que vale para o trabalho, para o emprego...; uma realidade de ontem, de hoje, de amanhã... Uma realidade triste. Mais triste, porque real.

10/31/2005 5:28 da tarde  
Blogger Fadista said...

Elvira,
por essas bandas que também são as minhas, por outras que são as da minha vivência, por outras que não conhecemos... Há-os por todo o lado!

10/31/2005 5:30 da tarde  
Blogger Fadista said...

Estimado Legível,
há-os Manéis, Zés, Belarminos e Asdrúbais... Licenciados, com a escolaridade obrigatória, mestrados e doutorados. Alguns até com Honoris Causa.

10/31/2005 5:33 da tarde  
Blogger Fadista said...

Caríssimo Goth Mortens,
concordo perfeitamente. O equilíbrio é tudo na vida!

10/31/2005 5:34 da tarde  
Blogger Elvira said...

Coitado do Zé...! Está "poordoado"...

12/13/2005 7:19 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Enjoyed a lot! » » »

4/24/2007 3:31 da manhã  

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